Com tecnologia própria, macacos
entraram em sua 'Idade da Pedra', dizem cientistas.
Não é o
resultado da habilidade manual que as torna especiais. Na realidade, um leigo
pode até ter dificuldade de identificá-las como ferramentas. Elas tampouco
chamam a atenção por sua idade, já que parecem datar da mesma época que as
pirâmides do Egito – e não da pré-História.
O que faz esses
artefatos serem tão especiais é que as mãos que os construíram e utilizaram não
eram humanas.
Esses
utensílios foram fabricados por chimpanzés e macacos. E os locais onde foram
encontrados são a base de uma novíssima área da Ciência: a arqueologia dos
primatas.
Uso de
tecnologia
As ferramentas
são rudimentares. O martelo de um chimpanzé ou de um macaco em nada se parece
com um antigo machado feito pelo homem pré-histórico.
Mas o
importante é que esses primatas desenvolveram uma cultura que tornou rotineiro
o uso de uma tecnologia. Isso significa que eles entraram em sua Idade da
Pedra. Até poucas décadas atrás, os biólogos acreditavam que o ser humano era a
única espécie que faz um uso extensivo de ferramentas. Mas hoje sabemos que
muitos mamíferos, aves, peixes e até insetos usam objetos em seu habitat para
facilitar suas vidas.
Muitos primatas
fazem o mesmo, mas, via de regra, não transformam pedras em ferramentas.
"Orangotangos,
bonobos e gorilas têm utilizado ferramentas de origem vegetal mas nunca foram
observados usando pedras", afirma Michael Haslam, da Universidade de
Oxford, na Grã-Bretanha, e líder do projeto Primarch (sigla para Arqueologia
Primata).
Segundo ele,
ainda é um mistério o motivo pelo qual as ferramentas de pedra são raramente
utilizadas por grandes primatas. Mas isso pode estar ligado ao fato de essas
espécies passarem a maior parte do tempo em árvores. "As plantas são
onipresentes no haIsso significa que mesmo que um grande primata particularmente
inteligente comece a usar ferramentas de pedra, não há material suficiente a
seu redor para que a tradição comece a ser imitada pelos outros no grupo e seja
transmitida a futuras gerações.
No entanto, os
chimpanzés da África Ocidental parecem, sim, ter conseguido passar para a
frente sua tecnologia com pedras, que eles usam para abrir castanhas e outras
oleaginosas.
Longe do
homem
A arqueologia
"tradicional" se baseia na ideia de que podemos reconhecer
comportamentos humanos através dos artefatos que deixamos para trás.
"Arqueólogos
de primatas", liderados por Christophe Bösch, no Instituto de Antropologia
Evolutiva em Leipzig, na Alemanha, aplicaram esses princípios às ferramentas
dos chimpanzés.
Nas florestas
da Costa do Marfim, ele e sua equipe escavaram uma área do solo a uma
profundidade de 1 metro, desvendando inúmeros artefatos em pedra.
Alguns desses
objetos foram trabalhados com uma precisão que apenas o homem possui. Mas
outras marcas sugerem que elas foram usadas de uma maneira mais bruta, como uma
ferramenta para abrir castanhas, assim como os chimpanzés da região fazem hoje.
Para Bösch, a
Idade da Pedra dos chimpanzés começou nesse período, há cerca de 4,3 mil anos,
ou até antes.
Os chimpanzés
são nossos parentes vivos mais próximos. Mas como apenas essa comunidade na
Costa do Marfim foi observada usando as ferramentas, é possível concluir que
essa habilidade surgiu depois que as comunidades no centro e no oeste da África
se separaram, entre 500 mil e 1 milhão de anos atrás, segundo Haslam.
Também parece
que a Idade da Pedra desses chimpanzés é totalmente diferente da Idade da Pedra
humana.
Há séculos
existem relatos de que algumas espécies de macaco-prego brasileiro usam
ferramentas de pedras, algo que foi confirmado por um estudo de 2004.
O mesmo fazem
os macacos de rabo longo (Macaca fasciularis) na Tailândia, segundo
pesquisa publicada em maio.
Nenhuma dessas
espécies fica perto do homem na árvore evolutiva dos primatas. Por isso,
cientistas acreditam que as diferentes espécies desenvolveram suas técnicas de
maneira independente.
Para Haslam,
tanto o macaco-prego quanto o macaco tailandês teriam conseguido transmitir o
uso das ferramentas para as novas gerações. Isso significa que há uma história
profunda da aplicação da pedra em pelo menos três primatas além do ser humano.
Em maio
passado, arqueólogos no Quênia revelaram os detalhes de uma das ferramentas em
pedra mais antigas já produzidas pelo ancestral do homem, encontrada em
depósitos de 3,3 milhões de anos.
Segundo os
pesquisadores, essas ferramentas foram produzidas usando técnicas semelhantes
àquelas aplicadas pelos atuais chimpanzés e macacos. Ou seja: estudar esses
primatas pode nos dar pistas sobre o comportamento humano na pré-História.
Diferenças no
cérebro
A descoberta no
Quênia revelou ainda que 700 mil anos depois das ferramentas encontradas, o
homem já havia adaptado suas técnicas. Primeiro, ele passou a deliberadamente
modificar as pedras para torná-la mais afiada, por exemplo.
Cerca de 1
milhão de anos depois, apareceram os primeiros bifaces, com lâminas
cuidadosamente talhadas.
Mas por que
nossos ancestrais aprenderam a produzir utensílios mais sofisticados, há tanto
tempo, enquanto chimpanzés e macacos ainda parecem estar longe de melhorar suas
técnicas?
Uma primeira
ideia seria a de que nossas mãos evoluíram mais rapidamente, permitindo a
manipulação de objetos. Mas um estudo da Universidade George Washington (EUA)
sugere que, na realidade, as mãos humanas mudaram menos do que as dos
chimpanzés nos últimos milhões de anos.
"Em termos
de proporção de comprimento, as mãos humanas são mais primitivas do que as dos
chimpanzés", afirma Sergio Almécija, líder do estudo. "Portanto, é
possível que a diferença esteja em seus cérebros."
"A
capacidade de criar ferramentas em pedra exige mais habilidades cognitivas,
para que o indivíduo reconheça que se trata de um objeto útil mas também para
criá-lo a partir do nada", afirma Alexandra Rosati, da Universidade
Harvard.
O fato de o
cérebro humano ser maior pode ter contribuído para essa evolução mais rápida. E
o primatólogo Richard Wrangham acredita que esse aumento de tamanho se deveu ao
desenvolvimento da culinária.
"Cérebros
maiores exigem mais energia, e o ato de cozinhar aumenta a energia vinda dos
alimentos, em relação a uma dieta crua", afirma Rosati.
Em uma série de
experimentos, o pesquisador descobriu que chimpanzés podem apreciar os
benefícios de cozinhar.
É claro que,
até que esses animais aprendam a controlar o fogo (se é que um dia o farão),
eles não poderão aplicar essa apreciação. Mas o trabalho de Rosait sugere que
também estão presentes nos chimpanzés os caminhos cerebrais que permitiram que
nossos ancestrais desenvolvessem utensílios mais avançados.
Para Haslam, é
possível que esses animais ainda não tenham chegado ao limite de sua capacidade
tecnológica. Mas talvez eles não tenham a chance de avançar em sua Idade da
Pedra.
"Temos
diminuído essas populações de maneira dramática, através da caça e da
destruição de seu habitat", aponta Haslam. "Populações menores não
podem espalhar e manter tecnologias complexas de maneira tão eficaz como um
grande grupo faria."
https://www.bbc.com/portuguese/noticias/2015/08/150821_vert_earth_macacos_rm
Comentário:
Achei extremamente interessante essa reportagem,
pois aborda um evento que aconteceu com a gente, há milhões de anos atrás.
O fato de isso estar acontecendo com macacos
atualmente pode ajudar em pesquisas para nos aprofundarmos ainda mais de como
realmente aconteceu conosco, porém, temos que nos preocupar de não interferir
na vidada e na evolução dessa espécie, pois se nós desfizermos o ciclo natural
das coisas, certamente afetará no resultado das pesquisas e o futuro da
espécie.
É
interessante ver uma das espécies mais próxima à espécie humana evoluindo um
pouco tardiamente cada vez mais, e no futuro espero que essas evoluções sirvam
de alguma base para aprofundar os estudos e ser descoberto um pouco mais sobre
a nossa história.